CARACTERES DA REVELAÇÃO ESPÍRITA
19. Acusam-no de parentesco com a magia e a feitiçaria; porém,
esquecem que a Astronomia tem por irmã mais velha a Astrologia judiciária,
ainda não muito distante de nós; que a Química é filha da Alquimia, com a qual
nenhum homem sensato ousaria hoje ocupar-se. Ninguém nega, entretanto, que na
Astrologia e na Alquimia estivesse o gérmen das verdades de que saíram as
ciências atuais. Apesar das suas ridículas fórmulas, a Alquimia encaminhou a
descoberta dos corpos simples e da lei das afinidades.
A Astrologia se
apoiava na posição e no movimento dos astros, que ela estudara; mas, na
ignorância das verdadeiras leis que regem o mecanismo do Universo, os astros eram,
para o vulgo, seres misteriosos, aos quais a superstição atribuía uma
influência moral e um sentido revelador. Quando Galileu, Newton e Kepler
tornaram conhecidas essas leis, quando o telescópio rasgou o véu e mergulhou
nas profundezas do espaço um olhar que algumas criaturas acharam indiscreto, os
planetas apareceram como simples mundos semelhantes ao nosso e todo o castelo
do maravilhoso desmoronou.
O mesmo se dá com o
Espiritismo, relativamente à magia e à feitiçaria, que se apoiavam também na
manifestação dos Espíritos, como a Astrologia no movimento dos astros; mas,
ignorantes das leis que regem o mundo espiritual, misturavam, com essas
relações, práticas e crenças ridículas, com as quais o moderno Espiritismo,
fruto da experiência e da observação, acabou. Certamente, a distância que
separa o Espiritismo da magia e da feitiçaria é maior do que a que existe entre
a Astronomia e a Astrologia, a Química e a Alquimia. Confundi-las é provar que
de nenhuma se sabe patavina.
20. O simples fato de
poder o homem comunicar-se com os seres do mundo espiritual traz consequências
incalculáveis da mais alta gravidade; é todo um mundo novo que se nos revela e
que tem tanto mais importância, quanto a ele hão de voltar todos os homens, sem
exceção. O conhecimento de tal fato não pode deixar de acarretar, generalizando-se,
profunda modificação nos costumes, caráter, hábitos, assim como nas crenças que
tão grande influência exerceu sobre as relações sociais. É uma revolução completa
a operar-se nas ideias, revolução tanto maior, tanto mais poderosa, quanto não
se circunscreve a um povo, nem a uma casta, visto que atinge simultaneamente,
pelo coração, todas as classes, todas as nacionalidades, todos os cultos. Razão
há, pois, para que o Espiritismo seja considerado a terceira das grandes
revelações. Vejamos em que essas revelações diferem e qual o laço que as liga
entre si.
21. Moisés, como profeta,
revelou aos homens a existência de um Deus único, Soberano Senhor e Orientador
de todas as coisas; promulgou a lei do Sinai e lançou as bases da verdadeira
fé. Como homem, foi o legislador do povo pelo qual essa primitiva fé,
purificando-se, havia de espalhar-se por sobre a Terra.
22. O Cristo, tomando da
antiga lei o que é eterno e divino e rejeitando o que era transitório,
puramente disciplinar e de concepção humana, acrescentou a revelação da vida futura, de que Moisés não
falara, assim como a das penas e recompensas que aguardam o homem, depois da
morte. (Vede: Revue
Spirite,
1861, páginas 90 e 280.)
23. A parte mais
importante da revelação do Cristo, no sentido de fonte primária, de pedra
angular de toda a sua doutrina é o ponto de vista inteiramente novo sob que
considera ele a Divindade. Esta já não é o Deus terrível, ciumento, vingativo,
de Moisés; o Deus cruel e implacável, que rega a terra com o sangue humano, que
ordena o massacre e o extermínio dos povos, sem excetuar as mulheres, as
crianças e os velhos, e que castiga aqueles que poupam as vítimas; já não é o
Deus injusto, que pune um povo inteiro pela falta do seu chefe, que se vinga do
culpado na pessoa do inocente, que fere os filhos pelas faltas dos pais; mas, um
Deus clemente, soberanamente justo e bom, cheio de mansidão e misericórdia, que
perdoa ao pecador arrependido e dá a cada um
segundo as suas obras.
Já não é o Deus de um único povo privilegiado, o Deus dos exércitos, presidindo aos
combates para sustentar a sua própria causa contra o Deus dos outros povos;
mas, o Pai comum do gênero humano, que estende a sua proteção por sobre todos os
seus filhos e os chama todos a si; já não é o Deus que recompensa e pune só
pelos bens da Terra, que faz consistir a glória e a felicidade na escravidão
dos povos rivais e na multiplicidade da progenitura, mas, sim, um Deus que diz
aos homens: “A vossa verdadeira pátria não é neste mundo, mas no reino
celestial, lá onde os humildes de coração serão elevados e os orgulhosos serão
humilhados.”
Já não é o Deus que
faz da vingança uma virtude e ordena se retribua olho por olho, dente por
dente; mas, o Deus de misericórdia, que diz: “Perdoai as ofensas, se quereis ser
perdoados; fazei o bem em troca do mal; não façais o que não quereis vos
façam.” Já não é o Deus mesquinho e meticuloso, que impõe, sob as mais
rigorosas penas, o modo como quer ser adorado, que se ofende pela inobservância
de uma fórmula; mas, o Deus grande, que vê o pensamento e que se não honra com
a forma. Enfim, já não é o Deus que quer ser temido, mas o Deus que quer ser
amado.
24. Sendo Deus o eixo de
todas as crenças religiosas e o objetivo de todos os cultos, o caráter de todas as
religiões é conforme a ideia que elas dão de Deus. As religiões que
fazem de Deus um ser vingativo e cruel julgam honrá-lo com atos de crueldade,
com fogueiras e torturas; as que têm um Deus parcial e cioso são intolerantes e
mais ou menos meticulosas na forma, por crerem-no mais ou menos contaminado das
fraquezas e ninharias humanas.
25. Toda a doutrina do
Cristo se funda no caráter que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial,
soberanamente justo, bom e misericordioso, ele fez do amor de Deus e da
caridade para com o próximo a condição indeclinável da salvação, dizendo: Amai a Deus sobre
todas as coisas e o vosso próximo como a vós mesmos; nisto estão toda a lei e
os profetas; não existe outra lei. Sobre esta crença, assentou o princípio
da igualdade dos homens perante Deus e o da fraternidade universal. Mas, fora
possível amar o Deus de Moisés? Não; só se podia temê-lo. A revelação dos
verdadeiros atributos da Divindade, de par com a da imortalidade da alma e da
vida futura, modificava profundamente as relações mútuas dos homens, impunha-lhes
novas obrigações, fazia-os encarar a vida presente sob outro aspecto e tinha,
por isso mesmo, de reagir contra os costumes e as relações sociais. É esse
incontestavelmente, por suas consequências, o ponto capital da revelação do
Cristo, cuja importância não foi compreendida suficientemente e, contrista
dizê-lo, é também o ponto de que mais a Humanidade se tem afastado, que mais há
desconhecido na interpretação dos seus ensinos.
26. Entretanto, o Cristo
acrescenta: “Muitas das coisas que vos digo ainda não as compreendeis e muitas
outras teria a dizer, que não compreenderíeis; por isso é que vos falo por
parábolas; mais tarde, porém, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito de
Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas.” (S. João, 14,16;
S. Mateus, 17.)
Se o Cristo não disse
tudo quanto poderia dizer, é que julgou conveniente deixar certas verdades na
sombra, até que os homens chegassem ao estado de compreendê-las. Como ele
próprio o confessou, seu ensino era incompleto, pois anunciava a vinda daquele
que o completaria; previra, pois, que suas palavras não seriam bem
interpretadas, e que os homens se desviariam do seu ensino; em suma, que
desfariam o que ele fez, uma vez que todas as coisas hão de ser restabelecidas:
ora, só se restabelece
aquilo
que foi desfeito.
27. Por que chama ele Consolador ao novo messias? Este
nome, significativo e sem ambiguidade, encerra toda uma revelação. Assim, ele
previa que os homens teriam necessidade de consolações, o que implica a insuficiência
daquelas que eles achariam na crença que iam fundar. Talvez nunca o Cristo
fosse tão claro, tão explícito, como nestas últimas palavras, às quais poucas
pessoas deram atenção bastante, provavelmente porque evitaram esclarecê-las e
aprofundar-lhes o sentido profético.
28. Se o Cristo não pôde
desenvolver o seu ensino de maneira completa, é que faltavam aos homens
conhecimentos que eles só podiam adquirir com o tempo e sem os quais não o
compreenderiam; há muitas coisas que teriam parecido absurdas no estado dos
conhecimentos de então. Completar o seu ensino deve entender-se no sentido de explicar e desenvolver, não no de
ajuntar-lhe verdades novas, porque tudo nele se encontra em estado de gérmen,
faltando-lhe só a chave para se apreender o sentido das palavras.
29. Mas, quem toma a
liberdade de interpretar as Escrituras Sagradas? Quem tem esse direito? Quem
possui as necessárias luzes, senão os teólogos? Quem o ousa? Primeiro, a
Ciência, que a ninguém pede permissão para dar a conhecer as leis da Natureza e
que salta sobre os erros e os preconceitos.
– Quem tem esse
direito? Neste século de emancipação intelectual e de liberdade de consciência,
o direito de exame pertence a todos e as Escrituras não são mais a arca santa
na qual ninguém se atreveria a tocar com a ponta do dedo, sem correr o risco de
ser fulminado. Quanto às luzes especiais, necessárias, sem contestar as dos
teólogos, por mais esclarecidos que fossem os da Idade Média, e, em particular,
os Pais da Igreja, eles, contudo, não o eram bastante para não condenarem como
heresia o movimento da Terra e a crença nos antípodas. Mesmo sem ir tão longe,
os teólogos dos nossos dias não lançaram anátema à teoria dos períodos de
formação da Terra? Os homens só puderam explicar as Escrituras com o auxílio do
que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da
Natureza, mais tarde reveladas pela Ciência. Eis por que os próprios teólogos,
de muito boa-fé, se enganaram sobre o sentido de certas palavras e fatos do
Evangelho. Querendo a todo custo encontrar nele a confirmação de uma ideia
preconcebida, giraram sempre no mesmo círculo, sem
abandonar o seu ponto de vista, de modo que só viam o que queriam ver. Por
muito instruídos que fossem, eles não podiam compreender causas dependentes de
leis que lhes eram desconhecidas. Mas, quem julgará das interpretações diversas
e muitas vezes contraditórias, fora do campo da teologia? O futuro, a lógica e
o bom-senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos, à medida que novos fatos e
novas leis se forem revelando, saberão separar da realidade os sistemas
utópicos. Ora, as ciências tornam conhecidas algumas leis; o Espiritismo revela
outras; todas são indispensáveis à inteligência dos Textos Sagrados de todas as
religiões, desde Confúcio e Buda até o Cristianismo. Quanto à teologia, essa não
poderá judiciosamente alegar contradições da Ciência, visto como também ela nem
sempre está de acordo consigo mesma.
30. O Espiritismo,
partindo das próprias palavras do Cristo, como este partiu das de Moisés, é consequência
direta da sua doutrina. À ideia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da
existência do mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço, e com isso
precisa a crença, dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade à ideia.
Define os laços que unem a alma ao corpo e levanta o véu que ocultava aos
homens os mistérios do nascimento e da morte. Pelo Espiritismo, o homem sabe
donde vem, para onde vai, por que está na Terra, por que sofre temporariamente
e vê por toda parte a justiça de Deus. Sabe que a alma progride incessantemente,
através de uma série de existências sucessivas, até atingir o grau de perfeição
que a aproxima de Deus. Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de origem,
são criadas iguais, com idêntica aptidão para progredir, em virtude do seu
livre-arbítrio; que todas são da mesma essência e que não há entre elas
diferença, senão quanto ao progresso realizado; que todas têm o mesmo destino e
alcançarão a mesma meta, mais ou menos rapidamente, pelo trabalho e boa
vontade. Sabe que não há criaturas deserdadas, nem mais favorecidas umas do que
outras; que Deus a nenhuma criou privilegiada e dispensada do trabalho imposto
às outras para progredirem; que não há seres perpetuamente votados ao mal e ao
sofrimento; que os que se designam pelo nome de demônios são Espíritos ainda
atrasados e imperfeitos, que praticam o mal no espaço, como o praticavam na
Terra, mas que se adiantarão e aperfeiçoarão; que os anjos ou Espíritos puros
não são seres à parte na criação, mas Espíritos que chegaram à meta, depois de
terem percorrido a estrada do progresso; que, por essa forma, não há criações
múltiplas, nem diferentes categorias entre os seres inteligentes, mas que toda
a criação deriva da grande lei de unidade que rege o Universo e que todos os
seres gravitam para um fim comum que é a perfeição, sem que uns sejam
favorecidos à custa de outros, visto serem todos filhos das suas próprias
obras.
31. Pelas relações que
hoje pode estabelecer com aqueles que deixaram a Terra, possui o homem não só a
prova material da existência e da individualidade da alma, como também compreende
a solidariedade que liga os vivos aos mortos deste mundo e os deste mundo aos
dos outros planetas. Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos,
acompanha-os em suas migrações, aprecia-lhes as alegrias e as penas; sabe a
razão por que são felizes ou infelizes e a sorte que lhes está reservada,
conforme o bem ou o mal que fizerem. Essas relações iniciam o homem na vida
futura, que ele pode observar em todas as suas fases, em todas as suas peripécias;
o futuro já não é uma vaga esperança: é um fato positivo, uma certeza
matemática. Desde então, a morte nada mais tem de aterrador, por lhe ser a
libertação, a porta da verdadeira vida.
32. Pelo estudo da
situação dos Espíritos, o homem sabe que a felicidade e a desdita, na vida
espiritual, são inerentes ao grau de perfeição e de imperfeição; que cada qual sofre
as consequências diretas e naturais de suas faltas, ou, por outra, que é punido
no que pecou; que essas consequências duram tanto quanto a causa que as
produziu; que, por conseguinte, o culpado sofreria eternamente, se persistisse
no mal, mas que o sofrimento cessa com o arrependimento e a reparação; ora,
como depende de cada um o seu aperfeiçoamento, todos podem, em virtude do livre-arbítrio,
prolongar ou abreviar seus sofrimentos, como o doente sofre, pelos seus
excessos, enquanto não lhes põe termo.
33. Se a razão repele,
como incompatível com a bondade de Deus, a ideia das penas irremissíveis,
perpétuas e absolutas, muitas vezes infligidas por uma única falta; a dos
suplícios do inferno, que não podem ser minorados nem sequer pelo
arrependimento mais ardente e mais sincero, a mesma razão se inclina diante
dessa justiça distributiva e imparcial, que leva tudo em conta, que nunca fecha
a porta ao arrependimento e estende constantemente a mão ao náufrago, em vez de
o empurrar para o abismo.
34. A pluralidade das
existências, cujo princípio o Cristo estabeleceu no Evangelho, sem todavia
defini-lo como a muitos outros, é uma das mais importantes leis reveladas pelo
Espiritismo, pois que lhe demonstra a realidade e a necessidade para o
progresso. Com esta lei, o homem explica todas as aparentes anomalias da vida
humana; as diferenças de posição social; as mortes prematuras que, sem a
reencarnação, tornariam inúteis à alma as existências breves; a desigualdade de
aptidões intelectuais e morais, pela ancianidade do Espírito que mais ou menos
aprendeu e progrediu, e traz, nascendo, o que adquiriu em suas existências
anteriores (nº 5).
35. Com a doutrina da
criação da alma no instante do nascimento, vem-se a cair no sistema das
criações privilegiadas; os homens são estranhos uns aos outros, nada os liga, os
laços de família são puramente carnais; não são de nenhum modo solidários com
um passado em que não existiam; com a doutrina do nada após a morte, todas as
relações cessam com a vida; os seres humanos não são solidários no futuro. Pela
reencarnação, são solidários no passado e no futuro e, como as suas relações se
perpetuam, tanto no mundo espiritual como no corporal, a fraternidade tem por base
as próprias leis da Natureza; o bem tem um objetivo e o mal consequências
inevitáveis.
36. Com a reencarnação,
desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar
a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre
ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a
injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do
mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da reencarnação.
Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade
universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por
conseguinte, o da liberdade.
37. Tirai ao homem o
Espírito livre e independente, sobrevivente à matéria, e fareis dele uma
simples máquina organizada, sem finalidade, nem responsabilidade; sem outro freio
além da lei civil e própria
a ser explorada como
um animal inteligente. Nada esperando depois da morte, nada obsta a que aumente
os gozos do presente; se sofre, só tem a perspectiva do desespero e o nada como
refúgio. Com a certeza do futuro, com a de encontrar de novo aqueles a quem
amou e com o temor
de tornar a ver aqueles a quem ofendeu, todas as suas ideias mudam. O
Espiritismo, ainda que só fizesse forrar o homem à dúvida relativamente à vida
futura, teria feito mais pelo seu aperfeiçoamento moral do que todas as leis
disciplinares, que o detêm algumas vezes, mas que o não
transformam.
38. Sem a preexistência
da alma, a doutrina do pecado original não seria somente inconciliável com a
justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só,
seria também um contra-senso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa
doutrina, a alma não existia na época a que se pretende fazer que a sua
responsabilidade remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das suas
imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos
instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro
pecado original, cujas consequências naturalmente sofre, mas com a diferença
capital de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de outrem; e
com a outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente equitativa,
de que cada existência lhe oferece os meios de se redimir pela reparação e de
progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos
conhecimentos e, assim, até que, suficientemente purificado, não necessite mais
da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada.
Pela mesma razão, aquele que progrediu moralmente traz, ao renascer, qualidades
naturais, como o que progrediu intelectualmente traz ideias inatas;
identificado com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer, sem
pensar. Aquele que é obrigado a combater as suas más tendências vive ainda em
luta; o primeiro já venceu, o segundo procura vencer. Existe, pois, a virtude original, como existe o saber original, e o pecado ou, antes, o vício original.
39. O Espiritismo
experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e a ação deles
sobre a matéria. Demonstrou a existência do perispírito, suspeitado desde a antiguidade
e designado por S. Paulo sob o nome de corpo espiritual, isto é, corpo
fluídico da alma, depois da destruição do corpo tangível. Sabe-se hoje que esse
invólucro é inseparável
da alma,
forma um dos elementos constitutivos do ser humano, é o veículo da
transmissão do pensamento e, durante a vida do corpo, serve de laço entre o Espírito
e a matéria. O perispírito representa importantíssimo papel no organismo e numa
multidão de afecções, que se ligam à fisiologia, assim como à psicologia.
40. O estudo das propriedades
do perispírito, dos fluidos espirituais e dos atributos fisiológicos da alma
abre novos horizontes à Ciência e dá a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos
até então, por falta de conhecimento da lei que os rege — fenômenos negados
pelo materialismo, por se prenderem à espiritualidade, e qualificados como
milagres ou sortilégios por outras crenças. Tais são, entre muitos, os
fenômenos da vista dupla, da visão à distância, do sonambulismo natural e
artificial, dos efeitos psíquicos da catalepsia e da letargia, da presciência,
dos pressentimentos, das aparições, das transfigurações, da transmissão do
pensamento, da fascinação, das curas instantâneas, das obsessões e possessões,
etc. Demonstrando que esses fenômenos repousam em leis naturais, como os fenômenos
elétricos, e em que condições normais se podem reproduzir, o Espiritismo
derroca o império do maravilhoso e do sobrenatural e, conseguintemente, a fonte
da maior parte das superstições. Se faz se creia na possibilidade de certas
coisas consideradas por alguns como quiméricas, também impede que se creia em
muitas outras, das quais ele demonstra a impossibilidade e a irracionalidade.
41. O Espiritismo, longe
de negar ou destruir o Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e
desenvolver, pelas novas leis da Natureza, que revela, tudo quanto o Cristo
disse e fez; elucida os pontos obscuros do ensino cristão, de tal sorte que
aqueles para quem eram ininteligíveis certas partes do Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem e
admitem, sem dificuldade, com o auxílio desta doutrina; vêem melhor o seu
alcance e podem distinguir entre a realidade e a alegoria; o Cristo lhes parece
maior: já não é simplesmente um filósofo, é um Messias divino.
42. Demais, se se
considerar o poder moralizador do Espiritismo, pela finalidade que assina a
todas as ações da vida, por tornar quase tangíveis as consequências do bem e do
mal, pela força moral, a coragem e as consolações que dá nas aflições, mediante
inalterável confiança no futuro, pela idéia de ter cada um perto de si os seres
a quem amou, a certeza de os rever, a possibilidade de confabular com eles; enfim,
pela certeza de que tudo quanto se fez, quanto se adquiriu em inteligência,
sabedoria, moralidade, até à última hora da vida, não fica perdido,
que tudo aproveita ao adiantamento do Espírito, reconhece-se que o Espiritismo realiza
todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado. Ora, como
é o Espírito
de Verdade que
preside ao grande movimento da regeneração, a promessa da sua vinda se acha por
essa forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador.
43. Se a estes resultados
adicionarmos a rapidez prodigiosa da propagação do Espiritismo, apesar de tudo
quanto fazem por abatê-lo, não se poderá negar que a sua vinda seja
providencial, visto como ele triunfa de todas as forças e de toda a má vontade
dos homens. A facilidade com que é aceito por grande número de pessoas, sem
constrangimento, apenas pelo poder da ideia, prova que ele corresponde a uma
necessidade, qual a de crer o homem em alguma coisa para encher o vácuo aberto
pela incredulidade e que, portanto, veio no momento preciso.
44. São em grande número
os aflitos; não é, pois, de admirar que tanta gente acolha uma doutrina que
consola, de preferência às que desesperam, porque aos deserdados, mais do que
aos felizes do mundo, é que o Espiritismo se dirige. O doente vê chegar o
médico com maior satisfação do que aquele que está bem de saúde; ora, os
aflitos são os doentes e o Consolador é o médico. Vós que combateis o
Espiritismo, se quereis que o abandonemos para vos seguir, dai-nos mais e
melhor do que ele; curai com maior segurança as feridas da alma. Dai mais
consolações, mais satisfações ao coração, esperanças mais legítimas, maiores
certezas; fazei do futuro um quadro mais racional, mais sedutor; porém, não
julgueis vencê-lo com a perspectiva do nada, com a alternativa das chamas do
inferno, ou com a inútil contemplação perpétua.
45. A primeira revelação
teve a sua personificação em Moisés, a segunda no Cristo, a terceira não a tem
em indivíduo algum. As duas primeiras foram individuais, a terceira coletiva; aí
está um caráter essencial de grande importância. Ela é coletiva no sentido de
não ser feita ou dada como privilégio a pessoa alguma; ninguém, por consequência,
pode inculcar-se como seu profeta exclusivo; foi espalhada simultaneamente, por
sobre a Terra, a milhões de pessoas, de todas as idades e condições, desde a
mais baixa até a mais alta da escala, conforme esta predição registrada pelo autor
dos Atos dos Apóstolos: “Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei o meu
espírito sobre toda a carne; os vossos filhos e filhas profetizarão, os
mancebos terão visões, e os velhos,
sonhos.” (Atos, 2:17-18.) Ela não proveio de nenhum culto especial, a fim de
servir um dia, a todos, de ponto de ligação.
46. As duas primeiras
revelações, sendo fruto do ensino pessoal, ficaram forçosamente localizadas,
isto é, apareceram num só ponto, em torno do qual a ideia se propagou pouco a
pouco; mas, foram precisos muitos séculos para que atingissem as extremidades
do mundo, sem mesmo o invadirem inteiramente A terceira tem isto de particular:
não estando personificada em um só indivíduo, surgiu simultaneamente em
milhares de pontos diferentes, que se tornaram centros ou focos de irradiação.
Multiplicando-se esses centros, seus raios se reúnem pouco a pouco, como os
círculos formados por uma multidão de pedras lançadas na água, de tal sorte
que, em dado tempo, acabarão por cobrir toda a superfície do globo. Essa uma
das causas da rápida propagação da doutrina. Se ela tivesse surgido num só
ponto, se fosse obra exclusiva de um homem, houvera formado seitas em torno
dela; e talvez decorresse meio século sem que ela atingisse os limites do país
onde começara, ao passo que, após dez anos, já estende raízes de um pólo a
outro.
47. Esta circunstância,
inaudita na história das doutrinas, lhe dá força excepcional e irresistível
poder de ação; de fato, se a perseguirem num ponto, em determinado país, será materialmente
impossível que a persigam em toda parte e em todos os países. Em contraposição
a um lugar onde lhe embaracem a marcha, haverá mil outros em que florescerá. Ainda
mais: se a ferirem num indivíduo, não poderão feri-la nos Espíritos, que são a
fonte donde ela promana. Ora, como os Espíritos estão em toda parte e existirão
sempre, se, por um acaso impossível, conseguissem sufocá-la em todo o globo,
ela reapareceria pouco tempo depois, porque repousa sobre um fato que está na
Natureza e não se podem suprimir as leis da Natureza. Eis aí o de que se devem persuadir
aqueles que sonham com o aniquilamento do Espiritismo. (Revue Spirite, fev. 1865, pág. 38:
“Da Perpetuidade do Espiritismo”.)
(in A GÊNESE – Os Milagres e as Predileções Segundo o Espiritismo,
Cap. I v.19 a 47 – Caracteres da Revelação Espírita – Allan Kardec; tradução de
Salvador Gentile, revisão Elias Barbosa. Araras, SP, Ed. IDE, 52ª edição, 2008)
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