domingo, 1 de fevereiro de 2015

CARACTERES DA REVELAÇÃO ESPÍRITA

CARACTERES DA REVELAÇÃO ESPÍRITA

19. Acusam-no de parentesco com a magia e a feitiçaria; porém, esquecem que a Astronomia tem por irmã mais velha a Astrologia judiciária, ainda não muito distante de nós; que a Química é filha da Alquimia, com a qual nenhum homem sensato ousaria hoje ocupar-se. Ninguém nega, entretanto, que na Astrologia e na Alquimia estivesse o gérmen das verdades de que saíram as ciências atuais. Apesar das suas ridículas fórmulas, a Alquimia encaminhou a descoberta dos corpos simples e da lei das afinidades.
A Astrologia se apoiava na posição e no movimento dos astros, que ela estudara; mas, na ignorância das verdadeiras leis que regem o mecanismo do Universo, os astros eram, para o vulgo, seres misteriosos, aos quais a superstição atribuía uma influência moral e um sentido revelador. Quando Galileu, Newton e Kepler tornaram conhecidas essas leis, quando o telescópio rasgou o véu e mergulhou nas profundezas do espaço um olhar que algumas criaturas acharam indiscreto, os planetas apareceram como simples mundos semelhantes ao nosso e todo o castelo do maravilhoso desmoronou.
O mesmo se dá com o Espiritismo, relativamente à magia e à feitiçaria, que se apoiavam também na manifestação dos Espíritos, como a Astrologia no movimento dos astros; mas, ignorantes das leis que regem o mundo espiritual, misturavam, com essas relações, práticas e crenças ridículas, com as quais o moderno Espiritismo, fruto da experiência e da observação, acabou. Certamente, a distância que separa o Espiritismo da magia e da feitiçaria é maior do que a que existe entre a Astronomia e a Astrologia, a Química e a Alquimia. Confundi-las é provar que de nenhuma se sabe patavina.

20. O simples fato de poder o homem comunicar-se com os seres do mundo espiritual traz consequências incalculáveis da mais alta gravidade; é todo um mundo novo que se nos revela e que tem tanto mais importância, quanto a ele hão de voltar todos os homens, sem exceção. O conhecimento de tal fato não pode deixar de acarretar, generalizando-se, profunda modificação nos costumes, caráter, hábitos, assim como nas crenças que tão grande influência exerceu sobre as relações sociais. É uma revolução completa a operar-se nas ideias, revolução tanto maior, tanto mais poderosa, quanto não se circunscreve a um povo, nem a uma casta, visto que atinge simultaneamente, pelo coração, todas as classes, todas as nacionalidades, todos os cultos. Razão há, pois, para que o Espiritismo seja considerado a terceira das grandes revelações. Vejamos em que essas revelações diferem e qual o laço que as liga entre si.

21. Moisés, como profeta, revelou aos homens a existência de um Deus único, Soberano Senhor e Orientador de todas as coisas; promulgou a lei do Sinai e lançou as bases da verdadeira fé. Como homem, foi o legislador do povo pelo qual essa primitiva fé, purificando-se, havia de espalhar-se por sobre a Terra.

22. O Cristo, tomando da antiga lei o que é eterno e divino e rejeitando o que era transitório, puramente disciplinar e de concepção humana, acrescentou a revelação da vida futura, de que Moisés não falara, assim como a das penas e recompensas que aguardam o homem, depois da morte. (Vede: Revue Spirite, 1861, páginas 90 e 280.)

23. A parte mais importante da revelação do Cristo, no sentido de fonte primária, de pedra angular de toda a sua doutrina é o ponto de vista inteiramente novo sob que considera ele a Divindade. Esta já não é o Deus terrível, ciumento, vingativo, de Moisés; o Deus cruel e implacável, que rega a terra com o sangue humano, que ordena o massacre e o extermínio dos povos, sem excetuar as mulheres, as crianças e os velhos, e que castiga aqueles que poupam as vítimas; já não é o Deus injusto, que pune um povo inteiro pela falta do seu chefe, que se vinga do culpado na pessoa do inocente, que fere os filhos pelas faltas dos pais; mas, um Deus clemente, soberanamente justo e bom, cheio de mansidão e misericórdia, que perdoa ao pecador arrependido e dá a cada um segundo as suas obras. Já não é o Deus de um único povo privilegiado, o Deus dos exércitos, presidindo aos combates para sustentar a sua própria causa contra o Deus dos outros povos; mas, o Pai comum do gênero humano, que estende a sua proteção por sobre todos os seus filhos e os chama todos a si; já não é o Deus que recompensa e pune só pelos bens da Terra, que faz consistir a glória e a felicidade na escravidão dos povos rivais e na multiplicidade da progenitura, mas, sim, um Deus que diz aos homens: “A vossa verdadeira pátria não é neste mundo, mas no reino celestial, lá onde os humildes de coração serão elevados e os orgulhosos serão humilhados.”
Já não é o Deus que faz da vingança uma virtude e ordena se retribua olho por olho, dente por dente; mas, o Deus de misericórdia, que diz: “Perdoai as ofensas, se quereis ser perdoados; fazei o bem em troca do mal; não façais o que não quereis vos façam.” Já não é o Deus mesquinho e meticuloso, que impõe, sob as mais rigorosas penas, o modo como quer ser adorado, que se ofende pela inobservância de uma fórmula; mas, o Deus grande, que vê o pensamento e que se não honra com a forma. Enfim, já não é o Deus que quer ser temido, mas o Deus que quer ser amado.

24. Sendo Deus o eixo de todas as crenças religiosas e o objetivo de todos os cultos, o caráter de todas as religiões é conforme a ideia que elas dão de Deus. As religiões que fazem de Deus um ser vingativo e cruel julgam honrá-lo com atos de crueldade, com fogueiras e torturas; as que têm um Deus parcial e cioso são intolerantes e mais ou menos meticulosas na forma, por crerem-no mais ou menos contaminado das fraquezas e ninharias humanas.

25. Toda a doutrina do Cristo se funda no caráter que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e misericordioso, ele fez do amor de Deus e da caridade para com o próximo a condição indeclinável da salvação, dizendo: Amai a Deus sobre todas as coisas e o vosso próximo como a vós mesmos; nisto estão toda a lei e os profetas; não existe outra lei. Sobre esta crença, assentou o princípio da igualdade dos homens perante Deus e o da fraternidade universal. Mas, fora possível amar o Deus de Moisés? Não; só se podia temê-lo. A revelação dos verdadeiros atributos da Divindade, de par com a da imortalidade da alma e da vida futura, modificava profundamente as relações mútuas dos homens, impunha-lhes novas obrigações, fazia-os encarar a vida presente sob outro aspecto e tinha, por isso mesmo, de reagir contra os costumes e as relações sociais. É esse incontestavelmente, por suas consequências, o ponto capital da revelação do Cristo, cuja importância não foi compreendida suficientemente e, contrista dizê-lo, é também o ponto de que mais a Humanidade se tem afastado, que mais há desconhecido na interpretação dos seus ensinos.

26. Entretanto, o Cristo acrescenta: “Muitas das coisas que vos digo ainda não as compreendeis e muitas outras teria a dizer, que não compreenderíeis; por isso é que vos falo por parábolas; mais tarde, porém, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito de Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas.” (S. João, 14,16; S. Mateus, 17.)
Se o Cristo não disse tudo quanto poderia dizer, é que julgou conveniente deixar certas verdades na sombra, até que os homens chegassem ao estado de compreendê-las. Como ele próprio o confessou, seu ensino era incompleto, pois anunciava a vinda daquele que o completaria; previra, pois, que suas palavras não seriam bem interpretadas, e que os homens se desviariam do seu ensino; em suma, que desfariam o que ele fez, uma vez que todas as coisas hão de ser restabelecidas: ora, só se restabelece aquilo que foi desfeito.

27. Por que chama ele Consolador ao novo messias? Este nome, significativo e sem ambiguidade, encerra toda uma revelação. Assim, ele previa que os homens teriam necessidade de consolações, o que implica a insuficiência daquelas que eles achariam na crença que iam fundar. Talvez nunca o Cristo fosse tão claro, tão explícito, como nestas últimas palavras, às quais poucas pessoas deram atenção bastante, provavelmente porque evitaram esclarecê-las e aprofundar-lhes o sentido profético.

28. Se o Cristo não pôde desenvolver o seu ensino de maneira completa, é que faltavam aos homens conhecimentos que eles só podiam adquirir com o tempo e sem os quais não o compreenderiam; há muitas coisas que teriam parecido absurdas no estado dos conhecimentos de então. Completar o seu ensino deve entender-se no sentido de explicar e desenvolver, não no de ajuntar-lhe verdades novas, porque tudo nele se encontra em estado de gérmen, faltando-lhe só a chave para se apreender o sentido das palavras.

29. Mas, quem toma a liberdade de interpretar as Escrituras Sagradas? Quem tem esse direito? Quem possui as necessárias luzes, senão os teólogos? Quem o ousa? Primeiro, a Ciência, que a ninguém pede permissão para dar a conhecer as leis da Natureza e que salta sobre os erros e os preconceitos.
– Quem tem esse direito? Neste século de emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame pertence a todos e as Escrituras não são mais a arca santa na qual ninguém se atreveria a tocar com a ponta do dedo, sem correr o risco de ser fulminado. Quanto às luzes especiais, necessárias, sem contestar as dos teólogos, por mais esclarecidos que fossem os da Idade Média, e, em particular, os Pais da Igreja, eles, contudo, não o eram bastante para não condenarem como heresia o movimento da Terra e a crença nos antípodas. Mesmo sem ir tão longe, os teólogos dos nossos dias não lançaram anátema à teoria dos períodos de formação da Terra? Os homens só puderam explicar as Escrituras com o auxílio do que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da Natureza, mais tarde reveladas pela Ciência. Eis por que os próprios teólogos, de muito boa-fé, se enganaram sobre o sentido de certas palavras e fatos do Evangelho. Querendo a todo custo encontrar nele a confirmação de uma ideia preconcebida, giraram sempre no mesmo círculo, sem abandonar o seu ponto de vista, de modo que só viam o que queriam ver. Por muito instruídos que fossem, eles não podiam compreender causas dependentes de leis que lhes eram desconhecidas. Mas, quem julgará das interpretações diversas e muitas vezes contraditórias, fora do campo da teologia? O futuro, a lógica e o bom-senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos, à medida que novos fatos e novas leis se forem revelando, saberão separar da realidade os sistemas utópicos. Ora, as ciências tornam conhecidas algumas leis; o Espiritismo revela outras; todas são indispensáveis à inteligência dos Textos Sagrados de todas as religiões, desde Confúcio e Buda até o Cristianismo. Quanto à teologia, essa não poderá judiciosamente alegar contradições da Ciência, visto como também ela nem sempre está de acordo consigo mesma.

30. O Espiritismo, partindo das próprias palavras do Cristo, como este partiu das de Moisés, é consequência direta da sua doutrina. À ideia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da existência do mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço, e com isso precisa a crença, dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade à ideia. Define os laços que unem a alma ao corpo e levanta o véu que ocultava aos homens os mistérios do nascimento e da morte. Pelo Espiritismo, o homem sabe donde vem, para onde vai, por que está na Terra, por que sofre temporariamente e vê por toda parte a justiça de Deus. Sabe que a alma progride incessantemente, através de uma série de existências sucessivas, até atingir o grau de perfeição que a aproxima de Deus. Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de origem, são criadas iguais, com idêntica aptidão para progredir, em virtude do seu livre-arbítrio; que todas são da mesma essência e que não há entre elas diferença, senão quanto ao progresso realizado; que todas têm o mesmo destino e alcançarão a mesma meta, mais ou menos rapidamente, pelo trabalho e boa vontade. Sabe que não há criaturas deserdadas, nem mais favorecidas umas do que outras; que Deus a nenhuma criou privilegiada e dispensada do trabalho imposto às outras para progredirem; que não há seres perpetuamente votados ao mal e ao sofrimento; que os que se designam pelo nome de demônios são Espíritos ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o mal no espaço, como o praticavam na Terra, mas que se adiantarão e aperfeiçoarão; que os anjos ou Espíritos puros não são seres à parte na criação, mas Espíritos que chegaram à meta, depois de terem percorrido a estrada do progresso; que, por essa forma, não há criações múltiplas, nem diferentes categorias entre os seres inteligentes, mas que toda a criação deriva da grande lei de unidade que rege o Universo e que todos os seres gravitam para um fim comum que é a perfeição, sem que uns sejam favorecidos à custa de outros, visto serem todos filhos das suas próprias obras.

31. Pelas relações que hoje pode estabelecer com aqueles que deixaram a Terra, possui o homem não só a prova material da existência e da individualidade da alma, como também compreende a solidariedade que liga os vivos aos mortos deste mundo e os deste mundo aos dos outros planetas. Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos, acompanha-os em suas migrações, aprecia-lhes as alegrias e as penas; sabe a razão por que são felizes ou infelizes e a sorte que lhes está reservada, conforme o bem ou o mal que fizerem. Essas relações iniciam o homem na vida futura, que ele pode observar em todas as suas fases, em todas as suas peripécias; o futuro já não é uma vaga esperança: é um fato positivo, uma certeza matemática. Desde então, a morte nada mais tem de aterrador, por lhe ser a libertação, a porta da verdadeira vida.

32. Pelo estudo da situação dos Espíritos, o homem sabe que a felicidade e a desdita, na vida espiritual, são inerentes ao grau de perfeição e de imperfeição; que cada qual sofre as consequências diretas e naturais de suas faltas, ou, por outra, que é punido no que pecou; que essas consequências duram tanto quanto a causa que as produziu; que, por conseguinte, o culpado sofreria eternamente, se persistisse no mal, mas que o sofrimento cessa com o arrependimento e a reparação; ora, como depende de cada um o seu aperfeiçoamento, todos podem, em virtude do livre-arbítrio, prolongar ou abreviar seus sofrimentos, como o doente sofre, pelos seus excessos, enquanto não lhes põe termo.

33. Se a razão repele, como incompatível com a bondade de Deus, a ideia das penas irremissíveis, perpétuas e absolutas, muitas vezes infligidas por uma única falta; a dos suplícios do inferno, que não podem ser minorados nem sequer pelo arrependimento mais ardente e mais sincero, a mesma razão se inclina diante dessa justiça distributiva e imparcial, que leva tudo em conta, que nunca fecha a porta ao arrependimento e estende constantemente a mão ao náufrago, em vez de o empurrar para o abismo.

34. A pluralidade das existências, cujo princípio o Cristo estabeleceu no Evangelho, sem todavia defini-lo como a muitos outros, é uma das mais importantes leis reveladas pelo Espiritismo, pois que lhe demonstra a realidade e a necessidade para o progresso. Com esta lei, o homem explica todas as aparentes anomalias da vida humana; as diferenças de posição social; as mortes prematuras que, sem a reencarnação, tornariam inúteis à alma as existências breves; a desigualdade de aptidões intelectuais e morais, pela ancianidade do Espírito que mais ou menos aprendeu e progrediu, e traz, nascendo, o que adquiriu em suas existências anteriores (nº 5).

35. Com a doutrina da criação da alma no instante do nascimento, vem-se a cair no sistema das criações privilegiadas; os homens são estranhos uns aos outros, nada os liga, os laços de família são puramente carnais; não são de nenhum modo solidários com um passado em que não existiam; com a doutrina do nada após a morte, todas as relações cessam com a vida; os seres humanos não são solidários no futuro. Pela reencarnação, são solidários no passado e no futuro e, como as suas relações se perpetuam, tanto no mundo espiritual como no corporal, a fraternidade tem por base as próprias leis da Natureza; o bem tem um objetivo e o mal consequências inevitáveis.

36. Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade.

37. Tirai ao homem o Espírito livre e independente, sobrevivente à matéria, e fareis dele uma simples máquina organizada, sem finalidade, nem responsabilidade; sem outro freio além da lei civil e própria a ser explorada como um animal inteligente. Nada esperando depois da morte, nada obsta a que aumente os gozos do presente; se sofre, só tem a perspectiva do desespero e o nada como refúgio. Com a certeza do futuro, com a de encontrar de novo aqueles a quem amou e com o temor de tornar a ver aqueles a quem ofendeu, todas as suas ideias mudam. O Espiritismo, ainda que só fizesse forrar o homem à dúvida relativamente à vida futura, teria feito mais pelo seu aperfeiçoamento moral do que todas as leis disciplinares, que o detêm algumas vezes, mas que o não transformam.

38. Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não seria somente inconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria também um contra-senso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma não existia na época a que se pretende fazer que a sua responsabilidade remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das suas imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pecado original, cujas consequências naturalmente sofre, mas com a diferença capital de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de outrem; e com a outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente equitativa, de que cada existência lhe oferece os meios de se redimir pela reparação e de progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos e, assim, até que, suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada. Pela mesma razão, aquele que progrediu moralmente traz, ao renascer, qualidades naturais, como o que progrediu intelectualmente traz ideias inatas; identificado com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer, sem pensar. Aquele que é obrigado a combater as suas más tendências vive ainda em luta; o primeiro já venceu, o segundo procura vencer. Existe, pois, a virtude original, como existe o saber original, e o pecado ou, antes, o vício original.

39. O Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e a ação deles sobre a matéria. Demonstrou a existência do perispírito, suspeitado desde a antiguidade e designado por S. Paulo sob o nome de corpo espiritual, isto é, corpo fluídico da alma, depois da destruição do corpo tangível. Sabe-se hoje que esse invólucro é inseparável da alma, forma um dos elementos constitutivos do ser humano, é o veículo da transmissão do pensamento e, durante a vida do corpo, serve de laço entre o Espírito e a matéria. O perispírito representa importantíssimo papel no organismo e numa multidão de afecções, que se ligam à fisiologia, assim como à psicologia.

40. O estudo das propriedades do perispírito, dos fluidos espirituais e dos atributos fisiológicos da alma abre novos horizontes à Ciência e dá a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos até então, por falta de conhecimento da lei que os rege — fenômenos negados pelo materialismo, por se prenderem à espiritualidade, e qualificados como milagres ou sortilégios por outras crenças. Tais são, entre muitos, os fenômenos da vista dupla, da visão à distância, do sonambulismo natural e artificial, dos efeitos psíquicos da catalepsia e da letargia, da presciência, dos pressentimentos, das aparições, das transfigurações, da transmissão do pensamento, da fascinação, das curas instantâneas, das obsessões e possessões, etc. Demonstrando que esses fenômenos repousam em leis naturais, como os fenômenos elétricos, e em que condições normais se podem reproduzir, o Espiritismo derroca o império do maravilhoso e do sobrenatural e, conseguintemente, a fonte da maior parte das superstições. Se faz se creia na possibilidade de certas coisas consideradas por alguns como quiméricas, também impede que se creia em muitas outras, das quais ele demonstra a impossibilidade e a irracionalidade.

41. O Espiritismo, longe de negar ou destruir o Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da Natureza, que revela, tudo quanto o Cristo disse e fez; elucida os pontos obscuros do ensino cristão, de tal sorte que aqueles para quem eram ininteligíveis certas partes do Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem e admitem, sem dificuldade, com o auxílio desta doutrina; vêem melhor o seu alcance e podem distinguir entre a realidade e a alegoria; o Cristo lhes parece maior: já não é simplesmente um filósofo, é um Messias divino.

42. Demais, se se considerar o poder moralizador do Espiritismo, pela finalidade que assina a todas as ações da vida, por tornar quase tangíveis as consequências do bem e do mal, pela força moral, a coragem e as consolações que dá nas aflições, mediante inalterável confiança no futuro, pela idéia de ter cada um perto de si os seres a quem amou, a certeza de os rever, a possibilidade de confabular com eles; enfim, pela certeza de que tudo quanto se fez, quanto se adquiriu em inteligência, sabedoria, moralidade, até à última hora da vida, não fica perdido, que tudo aproveita ao adiantamento do Espírito, reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento da regeneração, a promessa da sua vinda se acha por essa forma cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador.

43. Se a estes resultados adicionarmos a rapidez prodigiosa da propagação do Espiritismo, apesar de tudo quanto fazem por abatê-lo, não se poderá negar que a sua vinda seja providencial, visto como ele triunfa de todas as forças e de toda a má vontade dos homens. A facilidade com que é aceito por grande número de pessoas, sem constrangimento, apenas pelo poder da ideia, prova que ele corresponde a uma necessidade, qual a de crer o homem em alguma coisa para encher o vácuo aberto pela incredulidade e que, portanto, veio no momento preciso.

44. São em grande número os aflitos; não é, pois, de admirar que tanta gente acolha uma doutrina que consola, de preferência às que desesperam, porque aos deserdados, mais do que aos felizes do mundo, é que o Espiritismo se dirige. O doente vê chegar o médico com maior satisfação do que aquele que está bem de saúde; ora, os aflitos são os doentes e o Consolador é o médico. Vós que combateis o Espiritismo, se quereis que o abandonemos para vos seguir, dai-nos mais e melhor do que ele; curai com maior segurança as feridas da alma. Dai mais consolações, mais satisfações ao coração, esperanças mais legítimas, maiores certezas; fazei do futuro um quadro mais racional, mais sedutor; porém, não julgueis vencê-lo com a perspectiva do nada, com a alternativa das chamas do inferno, ou com a inútil contemplação perpétua.
45. A primeira revelação teve a sua personificação em Moisés, a segunda no Cristo, a terceira não a tem em indivíduo algum. As duas primeiras foram individuais, a terceira coletiva; aí está um caráter essencial de grande importância. Ela é coletiva no sentido de não ser feita ou dada como privilégio a pessoa alguma; ninguém, por consequência, pode inculcar-se como seu profeta exclusivo; foi espalhada simultaneamente, por sobre a Terra, a milhões de pessoas, de todas as idades e condições, desde a mais baixa até a mais alta da escala, conforme esta predição registrada pelo autor dos Atos dos Apóstolos: “Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei o meu espírito sobre toda a carne; os vossos filhos e filhas profetizarão, os mancebos terão visões, e os velhos, sonhos.” (Atos, 2:17-18.) Ela não proveio de nenhum culto especial, a fim de servir um dia, a todos, de ponto de ligação.

46. As duas primeiras revelações, sendo fruto do ensino pessoal, ficaram forçosamente localizadas, isto é, apareceram num só ponto, em torno do qual a ideia se propagou pouco a pouco; mas, foram precisos muitos séculos para que atingissem as extremidades do mundo, sem mesmo o invadirem inteiramente A terceira tem isto de particular: não estando personificada em um só indivíduo, surgiu simultaneamente em milhares de pontos diferentes, que se tornaram centros ou focos de irradiação. Multiplicando-se esses centros, seus raios se reúnem pouco a pouco, como os círculos formados por uma multidão de pedras lançadas na água, de tal sorte que, em dado tempo, acabarão por cobrir toda a superfície do globo. Essa uma das causas da rápida propagação da doutrina. Se ela tivesse surgido num só ponto, se fosse obra exclusiva de um homem, houvera formado seitas em torno dela; e talvez decorresse meio século sem que ela atingisse os limites do país onde começara, ao passo que, após dez anos, já estende raízes de um pólo a outro.
47. Esta circunstância, inaudita na história das doutrinas, lhe dá força excepcional e irresistível poder de ação; de fato, se a perseguirem num ponto, em determinado país, será materialmente impossível que a persigam em toda parte e em todos os países. Em contraposição a um lugar onde lhe embaracem a marcha, haverá mil outros em que florescerá. Ainda mais: se a ferirem num indivíduo, não poderão feri-la nos Espíritos, que são a fonte donde ela promana. Ora, como os Espíritos estão em toda parte e existirão sempre, se, por um acaso impossível, conseguissem sufocá-la em todo o globo, ela reapareceria pouco tempo depois, porque repousa sobre um fato que está na Natureza e não se podem suprimir as leis da Natureza. Eis aí o de que se devem persuadir aqueles que sonham com o aniquilamento do Espiritismo. (Revue Spirite, fev. 1865, pág. 38: “Da Perpetuidade do Espiritismo”.)


(in A GÊNESE – Os Milagres e as Predileções Segundo o Espiritismo, Cap. I v.19 a 47 – Caracteres da Revelação Espírita – Allan Kardec; tradução de Salvador Gentile, revisão Elias Barbosa. Araras, SP, Ed. IDE, 52ª edição, 2008)

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