A
NECESSÁRIA MUDANÇA DE PRINCÍPIOS
“Vemos no
Cristo – divino marco da renovação humana – todo um programa de transformações
viscerais do Espírito”.
Consideremos
como metáfora a afirmativa: “transformações viscerais do Espírito”. Emmanuel
conclama-nos a extrair das “entranhas” da alma o que há de ruim, mediante o
autoconhecimento e a coragem, para que diante das convocações possamos nos
aperfeiçoar na vida. O Espírito São Luís afirma: “Todo e qualquer ato
que não vise aperfeiçoar a alma, não poderá desviá-la do mal”. 2 E mais: a ação no
bem pode sustar, momentaneamente, os sofrimentos do homem vicioso, “[...] mas o
que ela não pode é destruir o princípio mórbido residente na alma”.2 (Grifo
nosso.) Perguntamos: O que faz a um homem residir em si um princípio mórbido? São Luís explica-nos
através de uma comparação entre os Espíritos primários (recém-entrados na
Humanidade) e os outros, mais experientes. Os primeiros são mais reativos;
possuem poucos recursos no âmbito do entendimento e da reflexão. Já os segundos
têm a possibilidade de agregar princípios às suas vidas. Entre
estes últimos incluímos o bom espírita, que pode ter um sentimento superior e,
eventualmente, vir a agregar para si algum princípio mórbido que o prejudicará em
seu processo evolutivo. No Dicionário Caldas Aulete, princípio é um substantivo:
conjunto de “proposições, opiniões que o espírito admite como ponto de partida;
regra fundamental, doutrina”. Mórbido é um adjetivo: “prejudicial
à saúde; que causa doença”. Princípio mórbido, portanto, pode ser entendido como regra ruim que criamos para nós e
que se torna fundamento
de
uma prejudicial doutrina
pessoal.
Qual será a gênese deste mal?
Vamos ao conceito de mente:
Emmanuel a considera “[...]
o espelho da vida em toda parte”. 3 Informa-nos que aparece nos seres mais primitivos
sob a ação do instinto; nas almas humanas a mente surge entre ilusões que
ultrapassam a inteligência, para revelar-se, nos Espíritos superiores, por
brilhante precioso, a retratar a Glória Divina. Como estamos entre a
animalidade e a angelitude, entre a ação e a reação, segundo Emmanuel, na vida,
somos compelidos através de características expressivas da mente a utilizá-la como “[...]
campo de nossa consciência desperta [...]”. 3 Daí em diante, no pleno uso da
nossa vontade,mesmo quando
influenciados pelo meio, decorrerá sempre uma geração de forças do pensamento, movimentando tudo em
torno, “[...] criando e transformando, destruindo e refazendo para acrisolar e
sublimar”.3 E isto não é uma teoria:
é algo que se processa
em nós, desde os reflexos
instintivos,
até hoje, quando esboçamos a emotividade e a capacidade de plasmar
ideias,
determinando nossas atitudes
e
palavras. Eis aí uma
experiência singular que ninguém pôde, e jamais poderá realizar por nós, porque
temos capacidade plena de fazê-la. Somos responsáveis pelos ambientes que
criamos: “Respiramos no mundo das imagens que projetamos e recebemos [...]”. 4 Assim,
submetemo-nos ao domínio do princípio mórbido que criamos e afetamos
o meio-ambiente, recebendo, de retorno, o resultado da morbidez lançada por
outrem em nossa direção. Neste ponto, Emmanuel chega a dizer que, entre os
seres humanos, ocorre uma terrível “comunhão negativa de sofrimentos”. Inspirando-nos
em suas ideias, relacionamos conceitos que podem eventualmente ajudar na
elaboração de ações conscientes para sairmos disso: 1) sempre há bons caminhos para
nossas escolhas; 2) é necessário sabermos qual princípio mórbido ainda agasalhamos em nós;
3) precisamos ampliar nossas vistas para além da escravização aos maus pendores
e nos vermos como seres de possibilidades mais amplas; 4) na escolha de nossas
imagens, se “preferirmos” estacionar sob a fascinação de elementos ruins,
estes, provisoriamente, nos escravizarão; 5) optando por melhores imagens mentais,
incorporaremos poderes que nos induzirão ao progresso. Trata-se, portanto, de
uma questão de conscientização: da necessidade de uma verdadeira caridade para
conosco, instrumentos úteis nas atividades doutrinárias da Casa Espírita. Mas,
o que ocorrerá se nos alheamos disso tudo, para permanecer exclusivamente em
função dos outros? Refletindo as ideias desses Espíritos superiores que nos ajudam
a compreender esse tema, tiramos uma grande lição: não é só por fazer um
serviço do bem, que o espírita estará imune da indesejável internalização de um
princípio
mórbido.
Mesmo que possamos
fazer surgirem “flores” por sobre o nosso “pântano”, isto não nos isentará da necessidade
de drená-lo todo dia, em nosso próprio benefício. No jornal O Espírita Mineiro (nº 137,
abril-junho/1970) há uma belíssima reflexão de Chico Xavier sobre o assunto.
Durante as homenagens prestadas pelos seus 40 anos de mediunidade, o médium contou
que, quando morava em Pedro Leopoldo, esperava a condução, bem próximo de um
pântano. Ele percebeu com o tempo que ali foram nascendo flores silvestres.
Chico estava feliz com
a beleza do manto de flores, no entanto, Emmanuel apareceu-lhe e disse: “[...]
mas o pântano continua lá”. Então, o médium pediu que não mais incentivassem
sua vaidade, exaltando sua mediunidade.
E, talvez
prevenindo-se de algum princípio ruim, disse: “[...] me sinto na condição
do charco que, pela misericórdia de Deus, um dia recebeu essas flores que são
os livros, e que pertencem muito mais a vós outros do que a mim”. Por fim,
sinceramente, rogou a todos que orassem por ele, para que conseguisse, um dia,
drenar seu próprio pântano. Princípio mórbido é, portanto, um “pântano”
que criamos negligentemente em nós mesmos. Ainda assim, podemos servir no bem,
criando “lindas flores” através do serviço de benefício ao próximo. Enquanto “drenamos
o nosso pântano”, sirvamos no bem e até mesmo nos empolguemos com os resultados
positivos das tarefas que realizamos na Casa Espírita. Só não devemos é nos
fixar demais na contemplação dessas “flores”, como se fossem garantia de
drenagem do mencionado pântano. Que esta incômoda constatação nos
convoque a uma transformação para a indispensável mudança do modo de pensarmos
a vida. Já temos acuidade mental e força de vontade suficientes para sairmos
dessa armadilha milenar e partirmos, resolutos, no rumo do porvir. Vejam bem: a
coisa é muito grave porque ninguém pode fazê-la por nós... São Luís traz-nos
noções desse porvir, confirmando que não será só à custa de ações externas (“flores” sobre
o “pântano”) que conseguiremos evitar a influência dos princípios do mal
internalizados por nós mesmos, ao longo dos milênios de ignorância. Se
permanecermos homens viciosos, tornar-nos-emos “homens-pântano”, submetidos aos
princípios
equivocados
que estarão sempre fazendo eco, apesar da nova posição espírita que assumimos nestes
dias, perante a nossa consciência. Pelo que percebemos na fala do Chico, não se
pode combater isso com alheamento, orgulho, vaidade ou ostentação; nem também com
aparências, pois não se trata de um fenômeno restrito ao falar. Por isso,
Emmanuel cobrava de Chico Xavier uma ação coerente, estimulando-o sempre
a criar, na própria alma, novos princípios salutares, como fundamentos
benéficos de seus pensamentos e ações no bem. São Luís diz-nos que se a alma, com
todo o poder moral de que é capaz, não reagir, deixar-se-á dominar pelo reflexo
(condicionado) animal:
Por sua natureza,
possui o Espírito uma propriedade luminosa que se desenvolve sob o influxo da
atividade e das qualidades da alma. [...] A intensidade da luz está na razão da
pureza do Espírito: as menores imperfeições morais atenuam-na e enfraquecem-na.
5 Como vemos, para quem trabalha na Casa Espírita, torna-se importante a
erradicação progressiva e consciente do princípio mórbido. Não que se tenha “por
natureza” uma ruindade nata. Kardec, comentando a fala de São Luís, diz que o
estado de obscuridade humana pode ser perfeitamente modificado para uma luz
irradiante, já que a obscuridade não é inerente à alma. Antes que se possa
dizer que é muito difícil encontrar alguém que tenha movimentado tais reflexões
internas, eis o que Emmanuel nos apresenta: Se o homem pudesse contemplar com
os próprios olhos as correntes de pensamentos, reconheceria, de pronto, que
todos vivemos em regime de comunhão, segundo os princípios da afinidade. 6 (Grifo nosso.)
Parece-nos, então, que
precisamos nos aproximar mais de pessoas que demonstram vontade férrea de fazer
mudanças
de hábito,
o que nos favoreceria pela boa sintonia, ajudando-nos, assim, a drenar nosso “pântano”.
Existem coisas que só conseguimos com a ajuda de outrem. No entanto, somos nós
que fazemos o rompimento definitivo dessa “[...] esteira de reflexos mentais acumulados,
operando constante indução à rotina”. 7 Esta rotina é um dos sintomas do
sistema vicioso, sob o domínio da ignorância acalentada, onde a criatura
humana, segundo Emmanuel, “[...] procurando enganar-se depois do berço, para
desenganar-se depois do túmulo, aprisionada no binômio ilusão–desilusão, com
que despende longos séculos [...]”.7 Como estamos conscientes de que não é bom
estacionarmos nessa armadilha, criemos novos costumes, a fim de que
nos desvencilhemos das
fórmulas inferiores que fomentaram reincidências em erros de nosso passado remoto.
Em suma: trabalharmos no bem e, ao mesmo tempo, realizarmos a necessária mudança de princípios, quando estes sejam
prejudiciais a nós e à Casa Espírita.
1.
XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 18. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008.
Cap. 20, p. 87.
2. KARDEC, Allan. O céu e o inferno. 2. ed. especial. Rio
de Janeiro: FEB, 2006. Segunda parte, cap. IV, item 8, p. 354.
3. XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 18. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 1, p. 9-10.
4. Idem, ibidem. Cap. 1, p. 11.
5.
KARDEC,
Allan. O
céu e o inferno.
2. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Segunda parte, cap. IV, item 8, p.
352.
6.
XAVIER,
Francisco C. Pensamento
e vida.
Pelo Espírito Emmanuel. 18. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 8, p. 37.
7.
Idem,
ibidem.
Cap. 20, p. 85-86.
(Por Julio
Cesar de Sá Roriz – Publicado na Revista Reformador Ano 127, Nº 2.159,
fevereiro de 2009 – Federação Espírita Brasileira - FEB).
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