segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A NECESSÁRIA MUDANÇA DE PRINCÍPIOS

A NECESSÁRIA MUDANÇA DE PRINCÍPIOS

“Vemos no Cristo – divino marco da renovação humana – todo um programa de transformações viscerais do Espírito”.

Consideremos como metáfora a afirmativa: “transformações viscerais do Espírito”. Emmanuel conclama-nos a extrair das “entranhas” da alma o que há de ruim, mediante o autoconhecimento e a coragem, para que diante das convocações possamos nos aperfeiçoar na vida. O Espírito São Luís afirma: “Todo e qualquer ato que não vise aperfeiçoar a alma, não poderá desviá-la do mal”. 2 E mais: a ação no bem pode sustar, momentaneamente, os sofrimentos do homem vicioso, “[...] mas o que ela não pode é destruir o princípio mórbido residente na alma”.2 (Grifo nosso.) Perguntamos: O que faz a um homem residir em si um princípio mórbido? São Luís explica-nos através de uma comparação entre os Espíritos primários (recém-entrados na Humanidade) e os outros, mais experientes. Os primeiros são mais reativos; possuem poucos recursos no âmbito do entendimento e da reflexão. Já os segundos têm a possibilidade de agregar princípios às suas vidas. Entre estes últimos incluímos o bom espírita, que pode ter um sentimento superior e, eventualmente, vir a agregar para si algum princípio mórbido que o prejudicará em seu processo evolutivo. No Dicionário Caldas Aulete, princípio é um substantivo: conjunto de “proposições, opiniões que o espírito admite como ponto de partida; regra fundamental, doutrina”. Mórbido é um adjetivo: “prejudicial à saúde; que causa doença”. Princípio mórbido, portanto, pode ser entendido como regra ruim que criamos para nós e que se torna fundamento de uma prejudicial doutrina pessoal. Qual será a gênese deste mal?
Vamos ao conceito de mente:
Emmanuel a considera “[...] o espelho da vida em toda parte”. 3 Informa-nos que aparece nos seres mais primitivos sob a ação do instinto; nas almas humanas a mente surge entre ilusões que ultrapassam a inteligência, para revelar-se, nos Espíritos superiores, por brilhante precioso, a retratar a Glória Divina. Como estamos entre a animalidade e a angelitude, entre a ação e a reação, segundo Emmanuel, na vida, somos compelidos através de características expressivas da mente a utilizá-la como “[...] campo de nossa consciência desperta [...]”. 3 Daí em diante, no pleno uso da nossa vontade,mesmo quando influenciados pelo meio, decorrerá sempre uma geração de forças do pensamento, movimentando tudo em torno, “[...] criando e transformando, destruindo e refazendo para acrisolar e sublimar”.3 E isto não é uma teoria:
é algo que se processa em nós, desde os reflexos instintivos, até hoje, quando esboçamos a emotividade e a capacidade de plasmar ideias, determinando nossas atitudes e palavras. Eis aí uma experiência singular que ninguém pôde, e jamais poderá realizar por nós, porque temos capacidade plena de fazê-la. Somos responsáveis pelos ambientes que criamos: “Respiramos no mundo das imagens que projetamos e recebemos [...]”. 4 Assim, submetemo-nos ao domínio do princípio mórbido que criamos e afetamos o meio-ambiente, recebendo, de retorno, o resultado da morbidez lançada por outrem em nossa direção. Neste ponto, Emmanuel chega a dizer que, entre os seres humanos, ocorre uma terrível “comunhão negativa de sofrimentos”. Inspirando-nos em suas ideias, relacionamos conceitos que podem eventualmente ajudar na elaboração de ações conscientes para sairmos disso: 1) sempre há bons caminhos para nossas escolhas; 2) é necessário sabermos qual princípio mórbido ainda agasalhamos em nós; 3) precisamos ampliar nossas vistas para além da escravização aos maus pendores e nos vermos como seres de possibilidades mais amplas; 4) na escolha de nossas imagens, se “preferirmos” estacionar sob a fascinação de elementos ruins, estes, provisoriamente, nos escravizarão; 5) optando por melhores imagens mentais, incorporaremos poderes que nos induzirão ao progresso. Trata-se, portanto, de uma questão de conscientização: da necessidade de uma verdadeira caridade para conosco, instrumentos úteis nas atividades doutrinárias da Casa Espírita. Mas, o que ocorrerá se nos alheamos disso tudo, para permanecer exclusivamente em função dos outros? Refletindo as ideias desses Espíritos superiores que nos ajudam a compreender esse tema, tiramos uma grande lição: não é só por fazer um serviço do bem, que o espírita estará imune da indesejável internalização de um princípio mórbido.
Mesmo que possamos fazer surgirem “flores” por sobre o nosso “pântano”, isto não nos isentará da necessidade de drená-lo todo dia, em nosso próprio benefício. No jornal O Espírita Mineiro (nº 137, abril-junho/1970) há uma belíssima reflexão de Chico Xavier sobre o assunto. Durante as homenagens prestadas pelos seus 40 anos de mediunidade, o médium contou que, quando morava em Pedro Leopoldo, esperava a condução, bem próximo de um pântano. Ele percebeu com o tempo que ali foram nascendo flores silvestres.
Chico estava feliz com a beleza do manto de flores, no entanto, Emmanuel apareceu-lhe e disse: “[...] mas o pântano continua lá”. Então, o médium pediu que não mais incentivassem sua vaidade, exaltando sua mediunidade.
E, talvez prevenindo-se de algum princípio ruim, disse: “[...] me sinto na condição do charco que, pela misericórdia de Deus, um dia recebeu essas flores que são os livros, e que pertencem muito mais a vós outros do que a mim”. Por fim, sinceramente, rogou a todos que orassem por ele, para que conseguisse, um dia, drenar seu próprio pântano. Princípio mórbido é, portanto, um “pântano” que criamos negligentemente em nós mesmos. Ainda assim, podemos servir no bem, criando “lindas flores” através do serviço de benefício ao próximo. Enquanto “drenamos o nosso pântano”, sirvamos no bem e até mesmo nos empolguemos com os resultados positivos das tarefas que realizamos na Casa Espírita. Só não devemos é nos fixar demais na contemplação dessas “flores”, como se fossem garantia de drenagem do mencionado pântano. Que esta incômoda constatação nos convoque a uma transformação para a indispensável mudança do modo de pensarmos a vida. Já temos acuidade mental e força de vontade suficientes para sairmos dessa armadilha milenar e partirmos, resolutos, no rumo do porvir. Vejam bem: a coisa é muito grave porque ninguém pode fazê-la por nós... São Luís traz-nos noções desse porvir, confirmando que não será à custa de ações externas (“flores” sobre o “pântano”) que conseguiremos evitar a influência dos princípios do mal internalizados por nós mesmos, ao longo dos milênios de ignorância. Se permanecermos homens viciosos, tornar-nos-emos “homens-pântano”, submetidos aos princípios equivocados que estarão sempre fazendo eco, apesar da nova posição espírita que assumimos nestes dias, perante a nossa consciência. Pelo que percebemos na fala do Chico, não se pode combater isso com alheamento, orgulho, vaidade ou ostentação; nem também com aparências, pois não se trata de um fenômeno restrito ao falar. Por isso, Emmanuel cobrava de Chico Xavier uma ação coerente, estimulando-o sempre a criar, na própria alma, novos princípios salutares, como fundamentos benéficos de seus pensamentos e ações no bem. São Luís diz-nos que se a alma, com todo o poder moral de que é capaz, não reagir, deixar-se-á dominar pelo reflexo (condicionado) animal:
Por sua natureza, possui o Espírito uma propriedade luminosa que se desenvolve sob o influxo da atividade e das qualidades da alma. [...] A intensidade da luz está na razão da pureza do Espírito: as menores imperfeições morais atenuam-na e enfraquecem-na. 5 Como vemos, para quem trabalha na Casa Espírita, torna-se importante a erradicação progressiva e consciente do princípio mórbido. Não que se tenha “por natureza” uma ruindade nata. Kardec, comentando a fala de São Luís, diz que o estado de obscuridade humana pode ser perfeitamente modificado para uma luz irradiante, já que a obscuridade não é inerente à alma. Antes que se possa dizer que é muito difícil encontrar alguém que tenha movimentado tais reflexões internas, eis o que Emmanuel nos apresenta: Se o homem pudesse contemplar com os próprios olhos as correntes de pensamentos, reconheceria, de pronto, que todos vivemos em regime de comunhão, segundo os princípios da afinidade. 6 (Grifo nosso.)
Parece-nos, então, que precisamos nos aproximar mais de pessoas que demonstram vontade férrea de fazer mudanças de hábito, o que nos favoreceria pela boa sintonia, ajudando-nos, assim, a drenar nosso “pântano”. Existem coisas que só conseguimos com a ajuda de outrem. No entanto, somos nós que fazemos o rompimento definitivo dessa “[...] esteira de reflexos mentais acumulados, operando constante indução à rotina”. 7 Esta rotina é um dos sintomas do sistema vicioso, sob o domínio da ignorância acalentada, onde a criatura humana, segundo Emmanuel, “[...] procurando enganar-se depois do berço, para desenganar-se depois do túmulo, aprisionada no binômio ilusão–desilusão, com que despende longos séculos [...]”.7 Como estamos conscientes de que não é bom estacionarmos nessa armadilha, criemos novos costumes, a fim de que
nos desvencilhemos das fórmulas inferiores que fomentaram reincidências em erros de nosso passado remoto. Em suma: trabalharmos no bem e, ao mesmo tempo, realizarmos a necessária mudança de princípios, quando estes sejam prejudiciais a nós e à Casa Espírita.

1.    XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 18. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 20, p. 87.
2.    KARDEC, Allan. O céu e o inferno. 2. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Segunda parte, cap. IV, item 8, p. 354.
3.    XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 18. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 1, p. 9-10.
4.  Idem, ibidem. Cap. 1, p. 11.
5. KARDEC, Allan. O céu e o inferno. 2. ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Segunda parte, cap. IV, item 8, p. 352.
6. XAVIER, Francisco C. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 18. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 8, p. 37.
7. Idem, ibidem. Cap. 20, p. 85-86.


(Por Julio Cesar de Sá Roriz – Publicado na Revista Reformador Ano 127, Nº 2.159, fevereiro de 2009 – Federação Espírita Brasileira - FEB).

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