II – A Beneficência
ADOLFO
Bispo de Alger, Bordeaux, 1861
11
– A beneficência, meus amigos, vos dará neste mundo os gozos mais puros
e mais doces, as alegrias do coração, que não são perturbadas nem pelos
remorsos, nem pela indiferença. Oh!, pudésseis compreender tudo o que
encerra de grande e de agradável a generosidade das belas almas, esse
sentimento que faz que se olhe aos outros com o mesmo olhar voltado para
si mesmo, e que se desvista com alegria para vesti a um irmão!
Pudésseis, meus amigos, ter apenas a doce preocupação de fazer aos
outros felizes! Quais as festas mundanas que se pode comparar a essas
festas jubilosas, quando, representantes da Divindade, levais a alegria a
essas pobres famílias, que da vida só conhecem as vicissitudes e as
amarguras; quando vedes esses rostos macilentos brilharem subitamente de
esperança, desprovidos de pão, esses infelizes e seus filhos, ignorando
que viver é sofrer, gritavam, choravam e repetiam estas palavras, que,
como finos punhais, penetravam o coração materno: “Tenho fome!” Oh!,
compreendei quanto são deliciosas as impressões daquele que vê renascer a
alegria onde, momentos antes, só havia desespero! Compreendei quais são
as vossas obrigações para com os vossos irmãos! Ide, ide ao encontro do
infortúnio, ao socorro das misérias ocultas, sobretudo, que são as mais
dolorosas. Ide, meus bem-amados, e lembrai-vos destas palavras do
Salvador: “Quando vestirdes a um destes pequeninos, pensai que é a mim
que o fazeis!”
Caridade!
Palavra sublime, que resume todas as virtudes, és tu que deves conduzir
os povos à felicidade. Ao praticar-te, eles estarão semeando infinitas
alegrias para o próprio futuro, e durante o seu exílio na Terra, serás
para eles a consolação, o antegozo das alegrias que mais tarde
desfrutarão, quando todos reunidos se abraçarem, no seio do Deus de
amor. Foste tu, virtude divina, que me proporcionaste os únicos momentos
de felicidade que gozei na Terra. Possam os meus irmãos encarnados crer
na voz do amigo que lhes fala e lhes diz: É na caridade que deveis
procurar a paz do coração, o contentamento da alma, o remédio para as
aflições da vida. Oh!, quando estiverdes a ponto de acusar a Deus,
lançai um olhar para baixo, e vereis quantas misérias a aliviar, quantas
pobres crianças sem família; quantos velhos sem uma só mão amiga para
os socorrer e fechar-lhes os olhos na hora da morte! Quanto bem a fazer!
Oh!, não reclameis, antes agradecei a Deus, e prodigalizai a mancheias a
vossa simpatia, o vosso amor, o vosso dinheiro, a todos os que,
deserdados dos bens deste mundo, definham no sofrimento e na solidão.
Colhereis neste mundo alegrias bem suaves, e mais tarde… somente Deus o
sabe!
***
SÃO VICENTE DE PAULO
Paris, 1858
12
– Sede bons e caridosos: eis a chave dos céus, que tendes nas mãos.
Toda a felicidade eterna se encerra nesta máxima: “Amai-vos uns aos
outros”. A alma não pode elevar-se às regiões espirituais senão pelo
devotamento ao próximo; não encontra felicidade e consolação senão nos
impulsos da caridade. Sede bons, amparai os vossos irmãos, extirpai a
horrível chaga do egoísmo. Cumprido esse dever, o caminho da felicidade
eterna deve abrir-se para vós. Aliás, quem dentre vós não sentiu o
coração pulsar,crescer sua alegria interior, ao relato de um belo
sacrifício, de uma obra de pura caridade? Se buscásseis apenas o deleite
de uma boa ação, estaríeis sempre no caminho do progresso espiritual.
Exemplos não vos faltam; o que falta é a boa vontade, sempre rara. Vede a
multidão de homens de bem, de que a vossa história evoca piedosas
lembranças.
O
Cristo não vos disse tudo o que se refere a essas virtudes de caridade e
amor? Por que deixastes de lado os seus divinos ensinamentos? Por que
fechar os ouvidos às suas divinas palavras, o coração às suas doces
máximas? Eu desejaria que se votasse mais interesse, mais fé às leituras
evangélicas; mas abandona-se esse livro, considerado como texto
quimérico, mensagem cifrada; deixa-se no esquecimento esse código
admirável. Vossos males provêm do abandono voluntário desse resumo das
leis divinas. Lede, pois, essas páginas ardentes sobre a abnegação de
Jesus, e meditai-as.
Homens
fortes, armai-vos; homens fracos, fazei da vossa doçura, da vossa fé,
as vossas armas; tende mais persuasão e mais constância na propagação de
vossa doutrina. É apenas um encorajamento que vimos dar-vos, e é para
estimular o vosso zelo e as vossas virtudes, que Deus permite a nossa
manifestação. Mas, se quisésseis, bastaria a ajuda de Deus e da vossa
própria vontade, pois as manifestações espíritas se produzem somente
para os que têm os olhos fechados e os corações indóceis.
A
caridade é a virtude fundamental que deve sustentar o edifício das
virtudes terrenas; sem ela, as outras não existiriam. Sem a caridade,
nada de esperar uma sorte melhor, nenhum interesse moral que nos guie;
sem a caridade, nada de fé, pois a fé não é mais do que um raio de luz
pura, que faz brilhar uma alma caridosa.
A
caridade é a âncora eterna de salvação em todos os mundos: é a mais
pura emanação do Criador; é a sua própria virtude, que Ele transmite à
criatura. Como pretender desconhecer esta suprema bondade? Qual seria o
coração suficientemente perverso para, assim pensando, sufocar em si e
depois expulsar este sentimento inteiramente divino? Qual seria o filho
bastante mau para revoltar-se com essa doce carícia: a caridade?
Não
ousarei falar daquilo que fiz, porque os Espíritos também têm o pudor
de suas obras; mas considero a que iniciei como uma das que mais devem
contribuir para o alívio de vossos semelhantes. Vejo freqüentemente os
Espíritos pedirem por missão continuar a minha tarefa; eu os vejo,
minhas doces e queridas irmãs, no seu piedoso e divino ministério; eu os
vejo praticar a virtude que vos recomendo, com toda a alegria que essa
existência de abnegação e sacrifícios proporciona. É uma grande
felicidade, para mim, ver quanto se enobrece o seu caráter, quanto a sua
missão é amada e docemente protegida. Homens de bem, de boa e forte
vontade, uni-vos para continuar amplamente a obra de propagação da
caridade. Encontrareis a recompensa dessa virtude no seu próprio
exercício. Não há alegria espiritual que ela não proporcione desde a
vida presente. Permanecei unidos. Amai-vos uns aos outros, segundo os
preceitos do Cristo. Assim seja!
***
CÁRITAS
Martirizado em Roma, Lyon, 1861
13 – Chamo-me Caridade, sou o caminho principal que conduz a Deus; segui-me, porque eu sou a meta a que vós todos deveis visar.
Fiz nesta manhã o meu passeio habitual, e com o coração magoado venho dizer-vos:
Oh, meus amigos, quantas misérias, quantas lágrimas, e quanto tendes de
fazer para secá-las todas! Inutilmente tentei consolar as pobres mães,
dizendo-lhes ao ouvido: Coragem! Há corações bondosos que velam por vós,
que não vos abandonarão; paciência! Deus existe, e vós sois as suas amadas,
as suas eleitas. Elas pareciam ouvir-me e voltavam para mim os seus
grandes olhos assustados. Eu lia em seus pobres semblantes que o corpo,
esse tirano do Espírito, tinha fome, e que, se as minhas palavras lhes
tranqüilizam um pouco o coração, não lhes saciavam o estômago. Então eu
repetia: Coragem! Coragem! E uma pobre mãe, muito jovem, que amamentava
uma criancinha, tomou-a nos braços e ergueu-a no espaço vazio, como para
me rogar que protegesse aquele pobre e pequeno ser, que só encontrava
num seio estéril alimento insuficiente.
Mais
adiante, meus amigos, vi pobres velhos sem trabalho e logo sem abrigo,
atormentados por todos os sofrimentos da necessidade, e envergonhados de
sua miséria, não se atrevendo, eles que jamais mendigaram, a implorar a
piedade dos passantes. Coração empolgado de compaixão, eu, que nada
tenho, me fiz mendiga para eles, e vou para toda parte estimular a
beneficência, inspirar bons pensamentos aos corações generosos e
compassivos. Eis por que venho até vós, meus amigos, e vos digo: Lá em
baixo há infelizes cuja cesta está sem pão, a lareira sem fogo, o leito
sem cobertas. Não vos digo o que deveis fazer, deixo a iniciativa aos
vossos bons corações; pois se eu vos ditasse a linha de conduta, não
teríeis o mérito de vossas boas ações. Eu vos digo somente: Sou a
caridade e vos estendo as mãos pelos vossos irmãos sofredores.
Mas,
se peço, também dou, e muito; eu vos convido para um grande festim e
ofereço a árvore em que vós todos podereis saciar-vos. Vede como é bela,
como está carregada de flores e de frutos! Ide, ide, colhei, tomai
todos os frutos dessa bela árvore que se chama beneficência. Em lugar
dos ramos que lhe arrancardes, porei todas as boas ações que fizerdes e
levarei a árvore a Deus, para que Ele a carregue de novo, porque a
beneficência é inesgotável. Segui-me, pois, meus amigos, a fim de que eu
vos possa contar entre os que se alistam sob a minha bandeira. Sede
intrépidos: eu vos conduzirei pela via da salvação, porque eu sou a
Caridade!
*
CÁRITAS
Lyon, 1861
14
– Há muitas maneiras de fazer a caridade, que tantos de vós confundem
com a esmola. Não obstante, há grande diferença entre elas. A esmola,
meus amigos, algumas vezes é útil, porque alivia os pobres. Mas é quase
sempre humilhante, tanto para o que a dá, quanto para o que a recebe. A
caridade, pelo contrário, liga o benfeitor e o beneficiário, e além
disso se disfarça de tantas maneiras! A caridade pode ser praticada
mesmo entre colegas e amigos, sendo indulgentes uns para com os outros,
perdoando-se mutuamente suas fraquezas, cuidando de não ferir o amor
próprio de ninguém. Para vós, espíritas, na vossa maneira de agir em
relação aos que não pensam convosco, induzindo os menos esclarecidos a
crer, sem os chorar, sem afrontar as suas convicções, mas levando-os
amigavelmente às reuniões, onde eles poderão ouvir-nos, e onde saberemos
encontrar a brecha que nos permitirá penetrar nos seus corações. Eis
uma das formas da caridade.
Escutai
agora o que é a caridade para com os pobres, esses deserdados do mundo,
mas recompensados por Deus, quando sabem aceitar as suas misérias sem
murmurações, o que depende de vós. Vou me fazer compreender por um
exemplo.
Vejo
muitas vezes na semana uma reunião de damas de todas as idades. Para
nós, como sabeis, são todas irmãs. Trabalham rápidas, bem rápidas. Os
dedos são ágeis. Vede também como os rostos estão radiantes e como os
seus corações batem em uníssono! Mas qual o seu objetivo? É que elas
vêem aproximar-se o inverno, que será rude para as famílias pobres. As
formigas não puderam acumular durante o verão os grãos necessários à
provisão, e a maior parte de seus utensílios está empenhada. As pobres
mães se inquietam e choram, pensando nos filhinhos que, neste inverno,
sofrerão frio e fome! Mas tende paciência, pobres mulheres! Deus
inspirou a outras, mais afortunadas que vós. Elas se reuniram e confeccionam
roupinhas. Depois, num destes dias, quando a neve tiver coberto a
terra, e murmurardes, dizendo: “Deus não é justo!”, pois é esta a
expressão comum dos vossos períodos de sofrimento, então vereis aparecer
um dos enviados dessas boas trabalhadoras, que se constituíram em
operárias dos pobres. Sim, era para vós que elas trabalhavam assim e
vossos murmúrios se transformarão em bênçãos, porque, no coração dos
infelizes, o amor segue de bem perto o ódio.
Como
todas essas trabalhadoras necessitavam de encorajamento, vejo as
comunicações dos Bons Espíritos lhes chegarem de todas as partes. Os
homens que participam desta sociedade oferecem também o seu concurso,
fazendo uma dessas leituras que tanto agradam. E nós, para recompensar o
zelo de todos e de cada um em particular, prometemos a essas obreiras
laboriosas uma boa clientela, que as pagará em moeda sonante de bênçãos,
a única moeda que circula no céu, assegurando-lhes ainda, sem medo de
nos arriscarmos, que essa moeda não lhes faltará.
*
UM ESPÍRITO PROTETOR
Lyon, 1861
15
– Meus caros amigos, cada dia ouço dizerem entre vós: “Sou pobre, não
posso fazer a caridade”. E cada dia, vê que faltais com a indulgência
para com os vossos semelhantes. Não lhes perdoais coisa alguma, e vos
arvorais em juízes demasiado severos, sem vos perguntar se gostaríeis
que fizessem o mesmo a vosso respeito. A indulgência não é também
caridade? Vós, que não podeis fazer mais do que a caridade indulgente,
faz pelo menos essa, mas fazei-a com grandeza. Pelo que respeita à
caridade material, quero contar-vos uma história do outro mundo.
Dois
homens acabavam de morrer. Deus havia dito: “Enquanto esses dois homens
viverem, serão postas as suas boas ações num saco para cada um, e
quando morrerem, serão pesados esses sacos”. Quando ambos chegaram à sua
última hora. Deus mandou que lhe levassem os dois sacos. Um estava
cheio, volumoso, estufado, e retinia o metal dentro dele. O outro era
tão pequeno e fino, que se viam através do pano as poucas moedas que
continha. Cada um dos homens reconheceu o que lhe pertencia: “Eis o meu,
— disse o primeiro — eu o conheço; fui rico e distribui bastante!” O
outro: “Eis o meu. Fui sempre pobre, ah! Não tinha quase nada para
distribuir”. Mas, ó surpresa: postos na balança, o maior tornou-se leve e
o pequeno se fez pesado, tanto que elevou muito o outro prato da
balança. Então, Deus disse ao rico: “Deste muito, é verdade, mas o
fizeste por ostentação, e para ver o teu nome figurando em todos os
templos do orgulho. Além disso, ao dar, não te privaste de nada. Passa à
esquerda e fica satisfeito, por te ser contada a esmola como alguma
coisa”. Depois, disse ao pobre: “Deste bem pouco, meu amigo, mas cada
uma das moedas que estão na balança representou uma privação para ti. Se
não distribuíste a esmola, fizeste a caridade, e o melhor é que a
fizeste naturalmente, sem te preocupares de que a levassem à tua conta.
Foste indulgente; não julgaste o teu semelhante; pelo contrário,
encontraste desculpas para todas as suas ações. Passa à direita, e vai
receber a tua recompensa.
***
JOÃO
Bordeaux, 1861
16
– A mulher rica, feliz, que não tem necessidade de empregar o seu tempo
nos trabalhos da casa, não pode dedicar algumas horas ao serviço do
próximo? Que, com as sobras dos seus gastos felizes, compre agasalhos
para o infeliz que tirita de frio; com suas mãos delicadas, confeccione
roupas grosseiras, mas quentes, e ajude a mãe pobre a vestir o filho que
vai nascer. Se o seu filho, com isso, ficar com alguns rendados de
menos, o daquela terá mais calor. Trabalhar para os pobres é trabalhar
na vinha do Senhor.
E
tu, pobre operária,que não dispõe de sobras, mas que desejas, no amor
por teus irmãos, dar também um pouco do que possuis, oferece algumas
horas do teu dia, do teu tempo, que é o teu único tesouro. Faze alguns
desses trabalhos elegantes que tentam os felizes, vende o produto dos
teus serões, e poderás também proporcionar, a teus irmãos a tua parte de
alívio. Terás, talvez, algumas fitas a menos, mas darás sapatos aos que
vivem descalços.
E
vós, mulheres devotadas a Deus, trabalhai também para as vossas obras
piedosas, mas que os vossos trabalhos delicados e custosos não sejam
feitos apenas para ornar as vossas capelas, ou para atrair a atenção
sobre a vossa habilidade e paciência. Trabalhai, minhas filhas, e que o
resultado de vossas obras seja consagrado ao alívio de vossos irmãos em
Deus. Os pobres são os seus filhos bem amados: trabalhar por eles é
glorificá-lo. Sede os instrumentos da Providência, que diz: “Às aves do
céu, Deus dá o alimento”. Que o ouro e a prata, tecidos pelos vossos
dedos, se transformem em roupas e provisões para os necessitados. Fazei
isso, e o vosso trabalho será abençoado.
E
todos vós, que podeis produzir, daí: daí o vosso gênio, daí as vossas
inspirações, daí o vosso coração, que Deus vos abençoará. Poetas,
literatos, que sois lidos somente pela gente de sociedade, preenchei os
seus lazeres, mas que o produto de algumas de vossas obras seja
destinado ao alívio dos infelizes. Pintores, escultores, artistas de
todos os gêneros, que a vossa inteligência venha também ajudar os vossos
irmãos: não tereis menos glória por isso, e eles terão alguns
sofrimentos a menos.
Todos
vós podeis dar: a qualquer classe a que pertençais, tereis sempre
alguma coisa que pode ser dividida. Seja o que for que Deus vos tenha
dado, deveis uma parcela aos que não têm sequer o necessário, pois em
seu lugar ficaríeis contentes, se alguém dividisse convosco. Vossos
tesouros da terra diminuirão um pouco, mas vossos tesouros do céu serão
mais abundantes: colhereis pelo cêntuplo, lá em cima, o que semeardes em
benefícios aqui em baixo.
O Evangelho Segundo o Espiritismo
Por Allan Kardec
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